Uma abusada noite de verão

(O texto abaixo ainda sem revisão é resultado do primeiro encontro da série “Escreve comigo”, cujo calendário está disponível em minhas redes sociais. É sempre aos domingos, às 9h30. Acompanhe!)

UMA ABUSADA NOITE DE VERÃO

Eu realmente não sei. Não entendi o motivo de vocês terem ido desse jeito atrás de mim. Sempre fui muito tranquilo, de boa mesmo, não sei nem se já matei algum inseto na vida. Tá, claro, já sim, mas nada além disso. Além do mais, todos nós não gostamos de inseto, né? Não ia querer almoçar com uma mosca circundando teu prato ou uma barata correndo atrás de ti em pleno banho. Bem capaz.
Tenho certeza de que não fiz nada, senhora. Nunca me meti com polícia. Só quando era menor, uma vez, que fizemos uma festa na casa de um amigo meu, o Betão, mas eles chegaram lá, pediram pra gente baixar o volume e baixamos. Era só gurizada. Maconha? Não, não. Nunca fui chegado. Até tinha um ou outro piá querendo se fazer de grande e acendendo uma lá, mas eu não. Não sou disso.
Claro, pode fazer exame toxicológico sim (risos). Não tenho nada pra esconder do senhor também. Só falei isso pra descontrair. Sim, sei que tô nervoso, mas eu reajo assim, desculpa. Entendi, claro. Tá bem, me digam, então.
Não. Não, não. Bem capaz.
Anteontem? Bom, teve uma festa lá no Mão Santíssima. Os caras e eu nos arrumamos e fomos pra lá cedo, tipo umas 22h. A gente queria comer antes de ir pra pista e curtir um pouco. Roupa? Eu fui com uma camisa xadrez vermelha e preta e a calça… era uma jeans mais escura, sabe? Penteei para trás. Ah, resolvi fazer um pouco diferente o penteado, pois tô sempre usando o mesmo partido ao meio, que nem agora. Não, senhora, bem capaz. Foi só pra trocar um pouco mesmo. Nossa, não. Pra que eu não ia querer ser reconhecido? Eu só mudei sábado o penteado, só isso. Tava muito quente, se eu deixasse partido ao meio ficaria por cima das minhas orelhas e elas ficam quentes com muita facilidade, e isso me incomoda. A camisa é minha… não, desculpa, era do Mário, meu amigo, um dos caras que foi comigo pra lá. Claro, ele pode confirmar sim. Sei lá, só tava lá com os caras, olhei pro guarda-roupa aberto dele, vi a camisa e achei que ficaria melhor que a outra que eu tava usando, que era só preta. Só isso. Mas por que a senhora insiste tanto na roupa?
Sei que é o trabalho dela, senhor, só sei lá, é muita informação e eu ainda não tô muito ligado no que faço aqui. Tá bem, a festa: a gente foi pra lá cedo, conforme falei. Dividimos três porções de picadão, sabe? É, muito bom, com aquela banha toda, mas gostoso demais. Aí a gente comeu, bebemos umas cervejas junto, falamos umas bobagens… Ah, sobre tudo, mas principalmente sobre futebol. Com a gente ali, naquela condição, a gente sempre falava disso. Ainda mais que nosso grupo é metade colorado, metade gremista. Saem uns arranca-rabos de vez em quando (risos). Mas a gente mais bebia do que falava, pois o calor era gigante lá. Depois de comermos, nem sei quantas longnecks a gente havia consumido. Eu não sou muito fraco pra bebida, então me mantive razoavelmente bem, acompanhando tudo que acontecia lá.
Sandra? Bah, não sei. Eu acho que conversei com umas quatro mulheres naquela noite só, não tava conseguindo me manter convincente pra alguma delas (risos). Mas não, não lembro de nenhuma Sandra. Eu lembro de uma Bárbara, que foi a primeira que eu conversei. Bah, bem lindona, toda em cima e… Tá, ok. Sem detalhes. Mas pensei que queria que eu detalhasse algo aqui. Tá, se a Bárbara não interessa, por que essa tal de Sandra vai me interessar? Saí de lá e nem peguei ninguém na noite. Foi um fracasso total.
Sim, eu só queria curtir a noite com os caras, aproveitar um pouco o ambiente e, se desse certo, tirar a barriga da miséria. Perdão pelo tom. Não, não, só quero dizer que se desse certo com alguém a noite, beleza. Se não desse, beleza também. Só precisava extravasar nesse finde, pois o trabalho foi muito louco. Meu chefe me achou para azucrinar, sabe? Toda hora com planilha, com documento, com impressão, assinatura, leva pra um lado, carimba, leva pra outro, entrega, mais documento na mesa, e foi, e foi, e foi. Bah, só queria beber umas. Aí falei com o Mário no início da noite e ele sugeriu, disse que ia ter banda boa, que várias minas iam e tal. Daí topei e fui, nada demais.
Senhora… Senhora, olha só: eu não fiz nada demais. Já disse que nem sei que é essa Sandra. Tá, sim, claro, depois de comer e de beber e de tomar uns foras eu fui sim pra pista, lembro. Dois dos caras foram comigo e a gente ficou lá, bebendo, vendo a banda, cantando umas junto com eles, fazendo coro com umas minas que estavam na volta e tal. Ah, isso me faz lembrar que ali tentei conversar com uma também, mas acho que eu tava meio aéreo, pois lembro quase nada da conversa. Morena? Não, acho que não. Acho que era loira… era sim, pois até vi que ela tinha os cílios meio loiros. É, dava pra ver apesar da luz, sim. Eu reparo em algumas coisas, senhora. Pode parecer que não, mas reparo.
Tá, vou focar. A gente estava na pista… a gente cantava e bebia… tinham essas gurias do nosso lado… É, não bem gurias, batiam com a nossa faixa, ali pelos quarenta anos, sabe. Não, nenhuma mais nova. Não, senhor. Até porque eu não curto muito novinhas, muito sem graça, sabe? Não sabem fazer muitas coisas (risos). Mas tá, falando sério: eu fiquei ali com eles. Claro passavam pessoas de um lado pro outro, mas lembro que eu tava bem ligado nas músicas e tal. Um dos caras curtia mexer com as minas, chegar num ouvido ou outro. Tem umas que gostam, tá ligado? Daí teve uma lá que caiu na dele, deu uns dois minutos e já estavam se amassando num canto da pista. Pegando fogo mesmo. Olhei pro Mário, o Mário me olhou e só saiu aquele “bah” da nossa boca, mas eu só pensava que precisava duma amassada que nem aquela, sabe? O louco se atracou na mina e não largou mais. Até nem sei se saíram juntos depois, mas lembrei dele bem feliz com ela lá, bah. Olha aí, ó: bah (risos). Ah, até o senhor tá rindo…
Ok, desculpa. Vamos retomar. Claro, senhora, eu olhei pras minas na volta e fiquei cuidando pra ver se não tinha nenhuma que pudesse rolar algo parecido e tal. Meu feeling é bom pra isso. Ok, perdão. Fiquei olhando pros lados, as quarentonas ali não paravam de cantar, mas pareciam de boa só entre elas, então não quis arriscar nada. Tinham umas minas mais pra outro lado da pista, até uma ficou indo e vindo e me encarando uma hora – até pensei: “bah, vou nessa”, mas não tomei atitude de cara. O Mário, que tava ali comigo, de repente não tava mais. Nem sei se ele ficou com alguma louca lá, pois sumiu do meu lado. Fiquei sozinho ali um tempo. Curtindo a banda, a bebida, o outro louco lá grudado na mina ainda, as quarentonas cantando e resolvi que ia tentar alguma coisa também.
Já disse, não sei quem é Sandra. Não sou de mentir, tá? Eu realmente não sei quem é Sandra. Sim, fui atrás de umas minas também depois. Queria que eu ficasse lá sozinho enquanto os caras curtiam o tempo todo? Tá louco? Dei uma azarada numas gurias quaisquer. Passava uma, falava uma ou outra coisa, dava um elogio, pra ver se alguma pegava e me olhava. Tem mina que gosta disso, tá? Eu sei que podia chegar lá e ver se alguma vinha na minha, sabe? Saí da pista um pouco, peguei outra longneck e me atirei na pista. Aí o pessoal da banda começou a tocar umas músicas anos 80 e aí sempre tem gente emocionada. Até eu, que adoro música daquela época. Bah, eu ouvia direto um álbum duma banda americana lá e eles tocaram uma desse CD. E tinha tudo a ver: noite quente, azarar as minas, tentar algo mais, curtir e tal. Era o que eu queria. E eu só tava pensando nisso naquela hora, em curtir, em azarar, terminar minha bebida, pegar uma mina, me grudar nela num canto e era isso. Nem precisava comer, tá ligado? Só isso já tava bom.
Não lembro de nenhuma específica da pista. Eu lembro só da Bárbara direito, como te falei, senhora. Ih, mas com decote mais aberto lá sempre tem várias. Acho até que peguei nuns peitos sem querer lá. Não, não, não abusei, senhora. Foi aquela coisa de levantar o braço pra me mexer na pista, pra abrir espaço e acabei pegando em alguém, sei lá. Nessa hora uma mina até foi falar comigo, mas não lembro o que ela disse. Daí ela saiu depois. É, acho que tinha decote sim. Tava estourando até, tô lembrando (risos). Não, senhora, que é isso, não brinco com autoridade não. Não, não. Eu só disse que tava estourando porque era grande pra blusa dela, só isso. Camisa, blusa, sei lá. Não, bem capaz. Não tô falando nada disso, senhora. Era peitão e pronto. Só isso. Chega. Eu posso falar só com o senhor? Acho que tua colega tá exaltada.
Tá, olha só, eu fiquei ali na pista, passando por todo mundo e essa mulher veio falar comigo, saiu e, sei lá, acho que uns dois minutos depois voltou. Daí a música rolando, a bebida gelando, a festa e tal, eu pensei: “acho que tá na minha”. Aí ela veio e eu não pensei duas vezes: já fui mandando um elogio pra ela. Mas aí, amigo, eu não conseguia olhar para a cara dela, pois ela era muito peituda (risos). Eu fui falando com ela, mas desviava o olhar, meio que olhava pra baixo, pro lado, mas não dava pra desviar muito, porque ela se grudava em mim com aquela comissão de frente toda. E a música era alta, aí eu já nem sentia mais nada direito, fui lá e me abracei nela com força. Eu queria sentir aquele peito todo e aquela mulher com atitude que veio direto falar comigo. Aí depois eu só me virei e comecei a beijar o pescoço dela e tal, mas aí ela me deu um empurrão e, bah, no impulso, sentei a mão nela. Perdão, não. Não foi forte não. Foi mais um empurrão também, pois não sou de bater em mulher. Bem capaz, isso não. Minha mãe me educou pra fazer diferente disso, embora ela sempre tenha me dito pra não levar desaforo pra casa também. É, bah, é brabo a gente se envolver nessas confusões e sair quieto, tá ligado?
Sandra? De novo? Essa mulher era a Sandra? Bah, não lembro de ela ter me dito esse nome não. Acho que não era Sandra. Sei lá, não lembro do nome dela. Acho que ela nem me falou. Sim, era mais baixa que eu. Sim, de saia curta… Saia curta e decote aberto, que combinação, aliás. A senhora pode falar assim comigo? Eu nem tô desrespeitando a senhora. Pode falar o que a senhora quiser, mas é verdade. Eu não acho que esteja fazendo isso contigo. Mas tudo bem, se a senhora diz, tá dito. Não vou contrariar.
Mas, meu amigo, é isso. Foi o que aconteceu naquela noite. Lembro que não deu nada, me voltei para os caras. Eles me perguntaram se eu queria ir pra casa e achei melhor ir, pois a noite já estava toda errada mesmo. A comida, boa; a bebida, bem gelada; a música, show. Só tava meio frustrante não ter conseguido ninguém. Agora não sei se o Mário conseguiu também, pois ele sumiu e só lembro de ter me dado a carona de volta pra casa. Não, não falei com ele depois. A gente não trabalha mais junto faz uns meses, pois ele tinha solicitado transferência do banco para outra agência, mas nem lembro por quê. Era bobagem lá da agência, coisa de colega. Ah, acho que isso é melhor perguntar pra ele, não quero te dizer algo que eu pense que seja e não é, sabe?
Ah, foi por isso, então? Olha, senhora, eu nem sei que horas a gente saiu de lá. Lembro que eu entrei em casa, fui ao banheiro, tirei a roupa e me deitei. Ah, lembro que acordei quando o sol nascia, pois esqueci de fechar a janela do quarto e lá bate sol logo no início da manhã. Lembro de acordar e mal abrir os olhos, como se mal tivesse começado a dormir? Que horas encontraram o corpo? Ih, mas nem vi nada. Nessa hora eu já tava acordado, eu acho. Coitada. Isso é foda: tem uns caras muito bandidos por aí. Mas não conseguiram ver se não foi outra mulher, uma briga de motivo bobo, algo assim? Tá, não precisa se irritar de novo. Foi só uma pergunta. Tá vendo?
Tá bem. Obrigado. O senhor é gentil, obrigado. Claro, se eu me lembrar de mais alguma coisa, eu lhe procuro, não se preocupe. Tá, sem problemas. Mas eu não fiz nada, juro. Contei tudo o que eu fiz lá, nada demais. Não, claro, se essa mulher vier reclamar, eu volto aqui, peço desculpas pra ela, o que precisar. Bem capaz, sou correto nisso. Só acho que tua colega tá bem nervosa com essa história toda. Ah, claro. Sei lá, fico pensando se esse pessoal não curte a vida direito nessa profissão, entende? Sim, o senhor também é, mas me pareceu mais alto astral. Claro, de boa. Ok, não me dirijo a ela não. Vou lá. Mais uma vez, obrigado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Carrinho de compras
Rolar para cima