Parabéns aos partidos: uma crônica da nossa morbidez

Tenho perfil no Facebook desde 2011. Lá se vão distantes 11 anos contatando pessoas, mantendo laços com aqueles que já não frequentam o mesmo ambiente que nós. Apesar das diversas mutações e transposições de redes sociais, mantive-me fiel à comunidade principalmente por conta de uma coisa: as lembranças de aniversário.
Minha cabeça, há uns bons anos, não reservou maior espaço para aniversariantes que entraram mais recentemente na minha vida. Os antigos estão lá: 19 de janeiro, 8 de fevereiro, 25 de maio, 9 de junho, 3 de julho, 16 de outubro, entre outros. A partir daí, o Facebook me ajudou muito. No entanto, no últimos ano tive três infelizes surpresas.
Uma estudante muito querida, aluna do Curso Comunidade e, anos depois, frequente na Uniasselvi, recebeu meus parabéns. No mesmo dia, horas depois, a decepção profunda: devido a um câncer, a menina havia falecido no ano anterior. O perfil não foi desativado e alguns poucos desavisados a parabenizaram. Desculpei-me, remoendo as memórias e apaguei o contato.
Há alguns meses, o mesmo: curiosamente um ex-aluno do Curso Comunidade. Guri muito bom, era amigo do Manera, falecido também devido ao câncer. Na minha timeline, nada havia aparecido. Os algoritmos não ajudam os vivos – nem os mortos. Mais uma vez passei a vergonha de ser comunicado do falecimento dele após ter-lhe enviado os préstimos de aniversário. Outra lástima.
Hoje, para finalizar o calvário da vergonha, uma nova péssima notícia: fui parabenizar um ex-aluno do Vettorello e deixei meu recado no seu perfil. Eis que um outro ótimo ex-aluno me mandou mensagem, dizendo que, enquanto trabalhava como uber, levou em seu carro bandidos que estavam sendo perseguidos. Foi alvejado inúmeras vezes e não resistiu. Deixou filho e esposa por conta do crime. E nada de aparecer na timeline.
Quando pergunto aos meus alunos hoje se criam perfis no Face, dizem que é coisa de velho. De fato, os contatos novos que aparecem não são mais de adolescentes sedentos por conhecimento alheio – leia-se fofoca, em vários casos. Esses estão no Instagram – e me dizendo para abrir uma conta no TikTok. Só que nelas não há aquele recadinho tão educado e prestativo sobre seus aniversários. Se eu não abrir os stories e não ver as fotos, não ficarei sabendo. E os algoritmos, como já dito, não ajudam.
Tenho a sensação de que entrei num caminho sem volta de ignorância sobre o alheio nas redes sociais. São mais de 4200 contatos numa rede que aos poucos vai se tornando obsoleta, tornando as minhas relações ainda mais distantes. Será isso que resta por meio da internet? Será esse distanciamento dos fatos cada vez mais comum?
Isso só mostra que, se não formos de fato atrás das pessoas, a gente tende a perder cada vez mais a noção de quem elas são – e de quem somos, pois a nossa vivência é mediada pelas nossas relações. Talvez por isso seja importante conservar na memória aquelas datas que há tantos anos te seguem – mantendo o contato com os que te fazem bem sempre.

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