“E quando é que tu te muda?”
“Acho que na semana que vem, pai.”
“Tá bem. Depois que tu te organizar, a gente faz um churrasco. Preciso de mais livros.”
Característica marcante do pai, principalmente após a aposentadoria. Leituras e mais leituras. E não podia ser qualquer livro: romances, preferencialmente longos, de thriller policial ou psicológico. Se fosse de autores estrangeiros, melhor ainda; e mais se fossem de países não muito comuns para as leituras dele.
“Eu terminei agora o livro daquele autor chinês… Como é o nome?”
“Ih, pai, chinês… Não fez muito parte das minhas leituras.”
“Mas como não?”
E aí vinha uma longa discussão de alguns segundos por eu não saber quem era o tal autor. Não lembrava ou não sabia mesmo. Afinal, ser mestre em Teoria da Literatura não me faz saber de todos os autores que existem, certo?
Errado.
“Tu estudou, não estudou?”
“Nosso estudo é baseado em correntes europeias, pai. Não pega tantas questões do oriente.”
“Mas devia”, respondia rindo.
De fato, fosse no meu pequeno JK da Bento Martins, na casa da “herança em vida” ou nas minhas outras moradias na zona sul, a visita à biblioteca era certa: ou era pegando novos livros ou era devolvendo livros emprestados – isso quando ele não queria deixar aqui em casa os livros que ele comprava e não tinha onde colocar. Acho que umas duas prateleiras aqui são consequência disso.
Lia muito o pai. No lançamento do “O fim de Alice”, ele “comemorou” que o livro era uma narrativa. Quando pegou as 96 páginas do material, olhou e disse:
“Em uma hora eu leio.”
Ao menos não era a ideia de que seria “em uma hora qualquer” mas em “uma hora/relógio”. Se de fato foi exatamente esse tempo eu não sei, mas ele me ligou tempos depois.
“Gostei da tua história.”
“Hmmm… Tá meio fraca essa tua crítica. O que foi?”
“Tinha que ter mais o triplo de páginas.”
Ou seja: para agradar as leituras do velho, tinha que ser muito específico. Mas disso não posso me queixar: leu e releu Érico Veríssimo, John Updike, Deonísio da Silva, Peter Straub, Ma Jian (era esse o chinês!), Edgar Wallace, Domminck Dunne, Françoise Sagan, Ann Pachett, António Skarmeta, entre tantos outros. Minha biblioteca agradece por um leitor tão voraz.
Para onde o pai tiver ido, certamente levou inúmeras histórias para contar aos novos pares.