“Pai, tu tá precisando de alguma coisa?”
“Nada.”
“Tem certeza? Vou acabar te levando alguma coisa que tu não queira no teu aniversário.”
Ele, meio que se enrolando entre interjeições e meias palavras, relutava:
“Não tem nada que eu precise.”
Durante toda nossa infância, presentes vindos do pai eram inversamente proporcionais aos da mãe: quase nada. Vindo de uma família do interior, sem muitas posses, tendo de viver sozinho desde cedo na capital, a pele do pai para determinadas sensações era muito grossa. Agradar não era exatamente um princípio que ele seguia.
Se fôssemos contar a quantidade de “nãos” ditas pelo pai no decorrer da vida, não teríamos espaço no texto para tanto. Porém, certa vez, eu precisava de um livro do Machado para uma aula de Literatura, no Sévigné. O pai não tinha o “Dom Casmurro” em casa.
“Eu compro”, disse ele, depois de muita insistência.
Não tardou muito e fomos ao que seria meu primeiro paraíso dos estudos literários: Beco dos Livros, um sebo bem famoso no Centro de Porto Alegre. Lá, pensei eu ingenuamente, ele compraria uma versão da LPM, um pocket, para pagar menos. A ideia de pagar menos não foi abandonada, porém ele me mostrou outra edição.
“Pega essa aqui.”
Deveria ser de uns 40 anos antes daquele momento. Uma capa esverdeada, escritas em preto, folhas amareladas e ortografia ultrapassada. O que eu faria com um livro velho daqueles?
“Lê esse. Tem as mesmas palavras do outro.”
Assim, levamos aquela edição, a qual li e me enfureci com a relação tensa entra a Capitu e o Bentinho – no ponto de vista dele, claro. Fiz meu trabalho para o colégio (a participação num debate sobre a possível traição de Capitu) e coloquei o livro na minha prateleira.
O que interessava era o conteúdo do presente. Interessava era o que ele tinha a transmitir, não exatamente a sua forma ou sua imagem. Com o passar dos anos, fui levando para o pai presentes que fossem mais úteis, num primeiro momento: camisas, bermudas, chinelos. Mas houve também vários livros e muitas comilanças.
Aliás, convencionalmente, o presente dele pra gente era esse: comida. Churrasco, para ser mais exato. Afinal, era ele quem fazia e ninguém interferia. Uma forma de agradar a todos e ainda preencher os vazios estomacais do momento.
Meu último presente para o pai foi um frasco de perfume, comprado no Renner no Natal passado. Ele gostava de sair com a Alcina, fosse na reunião com os amigos ou na Cidade Baixa. Apesar de ter diminuído o ritmo noturno, gostava de se arrumar, combinando as peças de roupa e sempre perfumado. Para os dias seguintes, então, arranjei aquele adereço.
No dia em si, ele olhou, abriu, sentiu a fragrância, gostou e guardou. Nada demais. Em todo o caso, em dias subsequentes, o pai teria usado algumas vezes, em boas saídas por aí. Mas sempre dizia:
“Não precisa de nada.”
Precisar, nunca precisou mesmo. Só que presentear não era um gesto do acaso para mostrar que tínhamos algo para alguém, meramente: era uma forma de dizer o quanto amávamos saber que aquilo seria utilizado por ele. De certa forma, para que, mesmo não estando cotidianamente presentes, estivéssemos de alguma forma ao seu lado.