Nos rastros da bola

Nas próximas semanas, as ligas europeias de futebol começarão a circular em imagens e sons pelas nossas televisões. Um mundo de patrocinadores, de belezas de gramado, de arte nas pernas dos jogadores. Serão milhões de pessoas ligadas em campeonatos ingleses, espanhóis, italianos, alemães – até nos menos favorecidos pela mídia, como o belga e o holandês.

No entanto, estamos em meio ao fatídico e famigerado futebol do Campeonato Brasileiro. Partidas de poucas luzes, de muita força física descontrolada, de um retorcido jogo de chuveirinho na área adversária, de um-e-dois que muitas vezes nem começa direito. Patrocínios globais, direção altamente suspeita de uma confederação dita corrupta, clubes que não conhecem o sentido do termo “união”, que multiplicam seus dividendos entre si e que preferem viver em feudos isolados.

A disparidade entre esses dois mundos esportivos não é oriunda apenas da falta de competência de um lado, da riqueza do outro. Muito disso passa pela educação. Ao ouvir um programa de rádio hoje e me deparar com a situação de que um determinado jogador de um dos maiores clubes do país (daqui de Porto Alegre, saiba-se) precisou de três assessores de imprensa para responder as questões dos repórteres, comecei a ter mais certeza dos problemas que a bola traz para a sociedade. Sim, para a sociedade. Afinal, infelizmente, o maior espelho heroico que a gurizada tem hoje é a deste esporte.

Se alguém acompanhou os registros da imprensa sobre a Eurocopa, torna-se possível entender um pouco mais sobre isso. Um jogador alemão, quando da derrota de seu time para a França nas semifinais deste evento, mesmo com a emoção em alta, fez uma avaliação ponderada e bastante argumentada sobre o fato. Soma-se a isso a sua relação com a linguagem, bem expressa, independente de qualquer variação linguística – até porque pouco sou entendido das variações em alemão -, o uso de termos sem repetição, o jogo de ideias utilizado. Aqui, ainda vemos a sequência “o time não foi bem, mas vamos ver o que aconteceu e vamos melhorar para a próxima partida”. Inúmeras vezes. Sem contar os diversos agradecimentos religiosos. Deus deve estar altamente satisfeito.

A questão vai além da mera entrevista, das ideias que circulam, dos problemas de linguagem. São referências. Referências de uma sociedade sem credos constantes, sem motivações permanentes. Jogador diz aqui que não quer ficar no clube porque é reserva, mas se for na Europa topa até time B. Por que lá tem de ser tão melhor? E, se o problema é grana, não é suficiente receber os 100, 300, 800 mil reais mensais que andam pagando? Se é a felicidade que importa, que vá ser feliz jogando com o que dá felicidade, tal como nossos gloriosos atletas de sexta à noite, sempre depois das 22h30, correndo atrás de uma bola numa quadra aberta, com vento gelado e altas risadas. Isso sim é felicidade barata.

São referenciais trôpegos. Alta ilusão de vida realmente positiva para quem torce e para quem cria a idolatria. Pobre do garoto que cresce com a ideia de que vai estourar aqui para ganhar vida na Europa. Afinal, já são tão poucos os que conseguem se profissionalizar, imagina os que realmente migram bem. A bola deixa um rastro irônico – e lacônico – para quem encontra nela uma ilusão de vida.

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