A noite em que conheci Eddie

Era uma noite de inverno da metade dos anos 90. O Sévigné seria por muitos anos ainda o espaço em que me envolvi diretamente com muitas das emoções que talvez até hoje carregue nas lembranças. Depois das aulas, normalmente eu ia para casa, almoçava e tinha duas opções principais: ir para o apê do Fábio, do Diego, do Manera ou do Gelatti para nossas jogatinas ou tirar uma soneca. Meu hábito para temas e revisões de matéria – quando as fazia – eram sempre do início para o meio da noite.
Quando saía da mesa e me dirigia ao quarto, eu já pensava no que aconteceria: colocaria o “Simples de coração”, do Engenheiros, e dormiria ao som de “A hora do mergulho”, ou colocaria o The Best of Van Halen para me imaginar o guitarrista que nunca persisti em ser. Sorte dos roqueiros.
Mas aquele álbum não surgiu lá ao acaso, muito menos eu teria chegado a ele sem a ajuda dos guris. Eu já gostava muito de rock desde que o Diego deixava o som rolando enquanto jogávamos alguma coisa; o Bernardo, que eu visitava com menos frequência – mas não menos importância, tinha uma coleção pequena, mas excelente de discos. E, numa dessas noites de diversão da Rua Damasco, ele me veio com essa:
– Ó, Lucas, esse aqui tu vai gostar.
Era o The Best of Van Halen. Álbum todo preto, com aquele símbolo da banda em dourado na capa. No verso, as dezessete faixas, das até então duas fases da banda.
– Por que eu vou gostar disso?
– Tu acha legal aquelas guitarras do Engenheiros, né? Tem aquele solo do Licks do “Exército de um homem só” que tu disse que gostava. Ele se baseou no Eddie Van Halen para fazer isso. Escuta a “Eruption”.
Eddie Van Halen. A primeira vez que escutei esse nome já soou em grande estilo. Solou em grande estilo. Enquanto pensava naquele tilintar dedilhado do Licks na música do Engenheiros, me vi transformando conceitos à medida que a “Eruption” corria enlouquecida pelas velhas caixas de som do terraço da casa de meu amigo. Embasbacado, nem esperei a pergunta retórica.
– Bah, é muito bom!
– Nesse CD tem várias muito boas. Vamos botar esse depois do Dire Straits?
E nós, que estávamos sempre num conjunto divertido, concordamos. Era uma guitarra mais preciosa que a outra, um som mais difícil de digerir e ao mesmo tempo tão hipnotizante quanto o outro. Pulei de “Dance the night away” para “Can`t stop lovin` you” com os olhos esbugalhados, mas mais ainda tocado pelo diálogo frequente entre a guitarra do Eddie e os vocais do Dave e do Sammy. Quando o Bernardo colocou “Dreams” e soltou aquele teclado do instrumentista, com o final mesclando o solo de guitarra, já estava resolvido: seria a banda da minha vida, sem dúvidas.
Por anos e mais anos ouvi Van Halen com tantas outras músicas, mas sempre houve destaque para aquele cara que encantava pelas guitarras. Fui atrás do The Best of. Gastei o CD, de tanto tê-lo escutado. Numa caminhada pelo Centro, a antiga Multisom do Shopping Rua da Praia foi vasculhada mais de uma vez por mim, até encontrar o “I”, “II”, “5150”, “Balance”; na famigerada Banana Records, tendo o Fernando comigo, encomendei o importado do “For Unlawful Carnal Knowledge”, que nunca encontrei nacional – até poucos anos atrás. O Diego, neste meio tempo, gravou clipes e mais clipes do Van Halen, numa época em que mal tínhamos acesso a essas produções que não fosse pela MTV. E assim cultivamos um longo tempo de música – assim como nossa amizade, que fazia com que o Bernardo, o Diego, o Fernando e eu, costumazes frequentadores de nossas casas, tivéssemos sempre um assunto importante para nossas noites: qual fase foi a melhor, qual solo foi mais impactante, qual música te faz mais roqueiro, qual música tu dedicaria pra Fulana.
Depois dessa fase, de o Van Halen terminar a era com o Sammy e passar para o Gary Cherone, ainda tivemos muito o que discutir. No primeiro ano do Médio, eu enchia as classes em que sentava com o refrão da “Without you”, que atingiu bons postos na MTV, porém sem o sucesso dos antecessores. A letra, porém, é totalmente condizente com tanto que tínhamos para dizer naquela época, em meio aos desprazeres, aos momentos felizes, ao crescimento desenfreado dos desejos, das responsabilidades – da vida como um todo: “There must be some kind of way that we can make it right, but I, I just can`t do it all without you”.
Sempre que descobríamos algo novo na inebriante nuvem que se ascendeu sobre a vida dos Van Halen, nos encontrávamos e conversávamos. Os anos passavam e não vinha mais nada de produção deles – o que também diminuiu um pouco a proximidade com os guris proporcionalmente. Em 2012, o Bernardo, lá dos Estados Unidos, disse que estavam voltando e com álbum novo. Com internet a mil por aqui, eu já acompanhava com avidez e com o desejo de que, quem sabe, eles viessem para cá. O Dave era vocal novamente e o filho do Eddie, o Wolfgang, ficara no lugar do Michael Anthony. Era mais Van Halen no sangue do que na música, mas era Van Halen. Entrarem em turnê – que o meu amigo viu in loco, gravaram álbum ao vivo. Depois, o câncer voltou a atacar o Eddie, adversário que ele havia parcialmente vencido anos antes.
Os guris e eu volta e meia nos falamos, assim como volta e meia soubemos sobre o Eddie. Hoje, no entanto, mesmo em meio a esta pandemia maldita, aos trabalhos e demais tarefas, trocamos mensagens uns com os outros. A partida do Edward Van Halen hoje não marcou apenas a ida de um ídolo da adolescência, mas também um dos motivos que unia aqueles adolescentes que se encontravam para escutar música, comer porcarias e falar bobagens. Parece que mais um pedaço daquelas memórias se desprendeu do tempo e lançou-se ao céu, para que um dia o reencontremos assim, em meio a solos de guitarra e muitas risadas. Hoje, um novo dia em que reconhecemos Eddie, é também um dia de recordar toda a amizade que foi unida por conta de sua música.

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