Num bar carioca de Ipanema, após a caminhada por uma das orlas mais conhecidas do mundo, sentei-me para beber alguma coisa. O copo de uísque que me foi servido não combinava em nada com a necessidade que tinha de um líquido que me tirasse a sede – mas foi o que apareceu. Bebi.
Estava cansado. Usava uma regata marrom, marcada pelo suor dos 30 e poucos graus daquele dia. Em minhas mãos, uma camiseta do América, que no dia anterior havia garantido novo acesso ao certame carioca, ao vencer o Bonsucesso na final da segunda divisão carioca.
Bebi um gole a mais do uísque e pedi uma água sem gás. Parecia mais lógico do que apreciar aquele teor volumoso de álcool. Não fosse o senhor que chegou em mim, apontando para a camisa do time rubro:
– De que ano é?
– 2017. Comprei na minha última vinda pra cá.
– Fica muito mais bonita sem patrocinador.
Era José Trajano, jornalista conceituado e autor de um dos melhores livros sobre futebol que havia lido: “Os beneditinos”. Ele observou um pouco mais o distintivo, sorriu e me disse:
– Agora o Sangue está de volta. Espero que não se vá de novo ano que vem.
– Vou torcer por isso – respondi. – Mas acho que torceria mais ainda por ver Os Beneditinos num campeonato de walking football.
– Ah, você leu meu livro – olhando-me, misto de surpresa e desdém.
– Sim. E me emocionei muito. Foi como recordar toda a trajetória do meu Coqueiros.
– Coqueiros?
– Na época de escola, em Porto Alegre, criamos um time para um campeonato e precisávamos de um nome. Um colega nosso, muito espirituoso, pensando e relacionando nomes de clubes, não titubeou e nos lançou essa: “se pode haver Palmeiras, por que não Coqueiros?” – e assim iniciou nossa trajetória no futsal do Colégio Sévigné.
– Não vá me dizer que também era um grupo de amigos, em que cada habilidade renderia um craque para o futebol mundial…?
– Não, não. Somos muito humildes para ir tão adiante. Só o nosso sonho esportivo é que balançava o coração.
Trajano pediu um café e sentou ao meu lado. Conversamos longamente sobre peripécias futebolísticas, da época em que, ainda criança, via a Copa das Nações Africanas, na TV Cultura (da qual ele já era um reconhecido comentarista), sobre o América, sobre Beneditinos e Coqueiros. Muitas risadas e algumas lágrimas contidas, tal era a emoção de reavivar memórias tão adormecidas.
O café de Trajano acabou ao sorver de uma vez só quase um terço da xícara que recebera. Foi-se despedindo, mas não sem antes confidenciar:
– Que derby dos sonhos não teria sido entre nossos times, hein?
E partiu, após um tapinha nas costas. Sorri, mesclando a lembrança de um gol de voleio quase sem ângulo num time do primeiro ano do Médio com a rivalidade que o time de Trajano tinha com o colégio próximo ao deles. Pensava no Manera entupindo a goleira adversária de gols, ao mesmo tempo que sofríamos o intenso ataque beneditino. Pensava, sonhava, ia longe.
Na minha mesa, a camisa do América. A cor dos nossos times do coração. Na cabeça, as lembranças dos nossos times vividos. E, em algum lugar, o desejo de ver na bola mais um estopor de emoção.