Perdas, danos e outras necessidades distantes

Tenho por hábito volta e meia me sentar com os alunos para conversar um pouco. Podem ser os mais velhos, acadêmicos longevos ou calouros, os jovens do Ensino Médio ou os meus menores do Fundamental. Cada um tem uma maneira muito particular de ver o mundo, dentro da possibilidades que a vida lhes alçou.

Hoje, por exemplo, sentei com duas alunas que passaram tempos tratando sobre a separação dos pais. Uma, a de fato mais recente, falou da tristeza da partida do pai, a mudança de cidade, a agonia dos primeiros dias; a outra, em contrapartida, do alívio que foi os seus terem se distanciado, as brigas que diminuíram, o bom relacionamento posterior – o que ela não gostava muito. Curioso.

De qualquer forma, é bom parar para analisar as coisas da vida sob óticas variadas. Afinal, o que adolescentes de 13 ou 14 anos vivenciaram para poder abordar o assunto com tal maturidade? Vivenciaram, simplesmente. Não foi necessária a teoria. A vida fez o trabalho de mostrar a elas que crescer é, de fato, sofrer um pouco.

Quantas coisas não deixamos para trás devido às dores fantasmas que podemos sentir? No filme “Meu eterno talvez” (2019), o protagonista deixa de viver sua vida devido ao trauma da morte da mãe e a necessidade de sempre acudir o pai para que não ficasse sozinho – o que, na verdade, apenas estancou sua vida, já que o próprio pai desejava que ele se distanciasse e tomasse novas atitudes. A banda que ele tinha há 16 anos tocava nos mesmos lugares, com o mesmo público, com o mesmo reconhecimento – e precisou de um amor da adolescência (que também se manteve no decorrer do tempo) para perceber que precisava um dia mudar.

No teatro a gente vivencia isso. Ora alguém está bem na posição em que foi colocado, ora deseja novo posto; ora suas características falam mais alto para algo específico, ora desenvolve outras; ora os egos divergem, ora convergem. O foco no processo e no resultado, no entanto, nunca deveriam mudar – apenas se algo a mais tomasse forma e puxasse outros caminhos.

Há perdas e danos que são irreparáveis. Há outros, porém, que são tão necessários que nossa cegueira diária não nos permite ver. Assim, tomar o diálogo como ponto de partida para repensar sua própria vida seria, talvez, uma virtude – que não diminui em nada a gostosa sensação de ser ouvinte. Se aquelas duas soubessem o quanto a gente poderia repensar nossas ideias, no futuro elas já teriam condições de abrir um consultório psicológico. E aí não adiantaria o Ross, da série “Friends”, vir correndo com seu sonoro “We were on a break!”.

É necessário perder de vez em quando. Assim, neste limbo existencial, é possível refletir com clareza sobre as suas condicionantes e, quem sabe, recomeçar. E sempre recomeçamos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Carrinho de compras
Rolar para cima