Ainda imerso na experiência de criar músicas voltadas para produções literárias, Lucas resolveu montar uma releitura do livro Habitante irreal, de Paulo Scott. Conforme escreveu Igor Zanoni, “Um dos personagens centrais é Paulo, ex-militante trotskista ligado ao Partido dos Trabalhadores que por volta de 1989 se desilude com os rumos que seu partido tomou. Ele tem dificuldades em manter relacionamentos estáveis e o trabalho em um escritório de advocacia o oprime. Ao voltar de um encontro político no interior do Rio Grande do Sul, Paulo se depara com uma jovem indiazinha (Maína) à beira da estrada, com jornais e revistas apertados contra o peito como se esperasse algo sob a forte chuva que cai. Paulo lhe dá carona e sua vida ganha novos contornos.” Deste tópico iniciou o processo de releitura e de criações musicais.
O álbum se chama Someone unreal among us.

Nas sucessões de fatos que cada música canta, a indecisão do protagonista sobre o que fazer com a indígena que levou da estrada toma forma em diversas consequências: o relacionamento físico com ela, o abandono e a partida para a Inglaterra, o suicídio, o acolhimento catastrófico de seu filho por uma desestruturada família adotante, além do encontro de ambos.
VOO DE BORBOLETA
Do alto do céu, em meio aos montes,
Uma criança brinca com seus galhos.
Observa a vida, em meio aos retalhos,
Cresce com os novos horizontes.
O corpo entorpece de desejo e amor,
Que aflora ao vê-lo pela primeira vez.
Mal sabia que seu voo de tanto furor
Viveria em meio a sua vil frigidez…
O que há com nossas vidas agora?
O que houve com os sonhos de outrora?
É momento de iniciar uma nova jornada…
O QUE EU VEJO NA NOITE
Eu vivo pela noite afora,
Esperando pela estrada de voos.
Pego meu carro, aprofundo a noite
E meus olhos só enxergam o horizonte.
Eu vivo pela noite afora,
Em meio a rios de prazer e torpor.
Vejo a pista ganhando vida
– é apenas uma passagem de ida.
O motor ronca, vibrando meu corpo,
Eu vejo a vida – ando só mais um pouco…
O que eu vejo na noite passa longe
De uma vida cheia de sonhos comuns.
O que eu vejo na noite passa longe
Dos mundos vividos só por alguns
– É só meu corpo que segue ao infinito.
Quando a vejo em meio às revistas,
Numa coberta de notícias tão antigas,
Com a chuva banhando sua beleza,
Meus olhos se enchem de estranhas pistas…
O motor ronca, vibrando meu corpo,
Eu vejo a vida – ando só mais um pouco…
O que eu vejo na noite passa longe
De uma vida cheia de sonhos comuns.
O que eu vejo na noite passa longe
Dos mundos vividos só por alguns
– É só meu corpo que segue ao infinito.
E um dia meus lábios encontrarão os teus, Em meio à chuva que o mundo nos deu.
TANTOS AMIGOS, TANTOS SILÊNCIOS
Conto para um,
Conto para outro.
O que eu faço com aquela menina?
É sádico, é criminoso, é maldoso.
Que fim ela pode ter?
Não escuto, não vejo, não sinto.
Não há palavra proferida por ninguém.
É um momento bizarro, doloso,
Mas o que mais eu poderia ter?
Eu não sei o que fazer!
Conto para um,
Conto para outro.
O que eu faço com aquela menina?
É triste, é doloroso, talvez tranquilo.
Que fim ela pode ter?
Ele me apoia, me ajuda,
Mas não move as pernas para nada.
O outro sugere, reflete, incomoda
– mas que mal há em tê-la aqui?
Não é nada mais do que já foi feito.
Conto para um,
Conto para outro.
O que eu faço com aquela menina?
É objetivo, é silencioso, é cretino.
Ela não deve ter um fim.
Ela pode e deve (quem sabe?)
Sair por aí, vagando (mundo afora!)
E viver o que há (para além daqui!)
Junto a mim? (Junto a ti, sim!)
Conto para um,
Conto para outro.
O que eu faço com aquela menina?
É desejo, é prazeroso, é vil. Ela deve ter um novo começo.
INICIAÇÃO
Nós estávamos no quarto, em silêncio.
Eu olhava nos teus olhos e sentia o vento.
Teus cabelos badalavam novos sonhos,
Enquanto minha mão encontrava teus dedos.
Aquela tarde não foi só de uma luz incomum:
Havia uma singela alegria nos teus olhos.
Era um desejo que invadia meu corpo,
Era um novo caminho que ardia em ti…
Não há mais nada que nos separe, meu amor,
Pois agora é teu beijo que nos une.
Quem dirá que a vida ganhou este brilho?
Quem dirá que meu coração não é imune?
– só os sonhos me levam a este instante…
Eu me trajei de cultura para que visses
Que não há nada capaz de nos distanciar
Te pintei o rosto com a ponta dos dedos
Tu sorriu com delirante brilho nos olhos…
E assim tudo se realizou, como nas ondas
Que badalam nossos corpos com força…
Não há mais nada que nos separe, meu amor,
Pois agora é teu beijo que nos une.
Quem dirá que a vida ganhou este brilho?
Quem dirá que meu coração não é imune?
– só os sonhos me levam a este instante…
Não espere por mim no próximo anoitecer,
Pois dormirei com os anjos pela eternidade…
DAS COISAS QUE NÃO SÃO POSSÍVEIS
Numa noite de promessas vazias,
Um medo lhe subiu pelo rosto.
O que fazer com alguém que na crê
Que suas vidas são tão diferentes?
Uma casa no meio de uma zona proibida.
Um desejo de ver uma vida diferente.
Uma vontade de assumir-se responsável.
Uma criança totalmente inesperada.
É tão frio o que se passa em minha mente.
Que honra é essa que desvela problemas?
Já não sei mais com quem eu me encontro
– talvez seja apenas mais uma vida fugaz.
E o meu desejo de ver o mundo diferente…
As altas árvores frondosas da minha morada
São destinos de tantos sonhos impossíveis.
Cada fenda que vive em seu tronco
É a memória daqueles que nunca a viveram.
Observo o que construiu com seu amor,
Mas não vejo teus olhos, tua boca, teu corpo.
Ali só está uma vontade de ser dono
De um coração cada vez mais distante…
Não sei se te olho ou se desmorono,
Mas meu corpo pende ao ar…
É tão frio o que se passa em minha mente.
Que honra é essa que desvela problemas?
Já não sei mais com quem eu me encontro
– talvez seja apenas mais uma vida fugaz.
E o meu desejo de ver o mundo diferente…
É tão frio o que se passa em minha mente.
Que honra é essa que desvela problemas?
Já não sei mais com quem eu me encontro
– talvez seja apenas mais uma vida fugaz.
E o meu desejo de ver o mundo diferente…
E o meu desejo de ver o mundo diferente
Se perde em memórias de dias atrás.
O que farei, se só te vejo inconsequente?
Eu nunca mais voltarei atrás.
Eu nunca mais voltarei atrás. E agora é só meu corpo que jaz…
O SONHO INGLÊS
Caminho só pela noite
De um bar com rock inglês.
Sirvo canecas de chopp
E um olhar de rispidez.
Você não confiou no seu sentimento e perder não é parte do jogo. Agora vive assim desolado e desperdiçando cada gota de suor em baixas temperaturas. Até quando fará isso?
Bebida servida, sorriso no rosto
– do outro, da luta, de todos –
Uma voz infinita de tantos primores.
Há vida nesse lugar tão gelado?
Houve uma vez um sonho
Que não foi sonhado por si.
Era apenas uma distração
De um mundo fora de si.
O quê? Viver? Invadir? Explorar?
Casas novas tão silenciosas.
Famílias unidas, novas moradas
– uma promessa renovada para sua vida.
Certas memórias seriam revisadas,
Mas agora com outra roupagem…
Houve uma vez um sonho
Que não foi sonhado por si.
Era apenas uma distração De um mundo fora de si.
CONSCIÊNCIAS INOPERANTES
De um lado, uma sobra de mãe perdida.
O marido se foi, deixou-lhe o legado:
A criança encontrada certa vez.
E todos os momentos de insensatez…
De outro, um adolescente furioso,
Rebelde em sua essência, duro e loquaz,
Perdido em memórias inexistentes,
Caçador de respostas desaparecidas.
Um encontro de consciências inoperantes
Que revelam o que pode ser pior…
Uma combinação desastrosa,
Perdida no tempo e no espaço,
Uma relação jubilosa, que caiu em desastre.
Quem é quem quando não se sabe sobre si?
Um pecado os aflige, tão profundo,
Que seus olhos não pode se enxergar.
Ela cede serena, medrosa, desejosa
– não sabe o que se passa consigo.
Um pegador insistente e diligente
Segue seu objetivo sem clareza perfeita.
Domina sua presa, buscando seu sangue,
Para diminuir o peso de sua existência.
Quem pode dizer o que é mau ou bom,
Quando sua essência vem fragmentada?
Uma combinação desastrosa,
Perdida no tempo e no espaço,
Uma relação jubilosa, que caiu em desastre.
Quem é quem quando não se sabe sobre si?
UM SOPRO DE ESPERANÇA
Nada mais espanta em nossos dias.
Cada cruz carregada por quem caminha
Traz o zelo e o perdão de todos os guias
Deixados – ninguém o adivinha.
Resta protestar contra as mazelas do mundo.
Coloca sua indumentária, vai fundo!
Os transeuntes o observam sem cuidado,
O que apenas amplia o seu fardo.
Até que ela chegou, curiosa e desmedida,
Trazendo algo de paz neste caminho de ida…
Estranhas memórias que evocas por mim!
É um sopro de esperança – realidade afim?
Talvez sejam apenas meus olhos distantes,
Ou essas ideias tão ignorantes
De que há mundo melhor para nós –
Mesmo que tudo pareça tão feroz.
Na casa dela, a verdade é brutal:
São caminhos e distâncias cada vez mais pueris.
Como será que é viver em alto astral,
Quando as correntes da vida são tão vis?
Nem todos entendem o que se passa conosco,
O brilho no olhar se perde tão fosco,
Pois as palavras proferidas se agitam em mim
E me deixam cada vez mais perto do fim.
Estranhas memórias que evocas por mim!
É um sopro de esperança – realidade afim?
Talvez sejam apenas meus olhos distantes,
Ou essas ideias tão ignorantes
– Mesmo que tudo pareça tão feroz –
De que há mundo melhor para nós.
Será que um dia verei meu sonho acontecer?
Ou serei só mais alguém que deixa de ser?
Estranhas memórias que evocas por mim!
É um sopro de esperança – realidade afim?
Talvez sejam apenas meus olhos distantes,
Ou essas ideias tão ignorantes
– Mesmo que tudo pareça tão feroz –
De que há mundo melhor para nós.
O FILHO ETERNO
Um chamado do coração vem de longe.
Os passos dados até agora não comandam
Nem a trilha que se desenhou pulsante,
Nem o retorno que se fez distante.
Ela nunca deixou seus pensamentos.
Dia sim, outro também, seus olhos voltavam
Tão vivos e esperançosos, sonhadores.
Não faltavam desejos – apenas temores.
Nas últimas vezes em que se viram,
A criança roubou-lhe reflexões.
Era irmão, um primo que veio do céu,
Ou era aquela resposta tão cruel?
Na busca por entender a verdade,
Nada o levava ao seu paraíso.
Um novo caminho, cheio de novidade,
Era aguardado em seu sorriso.
Só não sabia que o retorno no inverno
Iria revelar o seu filho eterno.
De volta ao Brasil, sem rever velhos amigos,
Encontra as esquecidas memórias
Um turbilhão de ases ilusórias
Que transcendem os antigos perigos.
Mas agora é o momento de reencontrar
Tudo o que se perdeu sem amar…
Na busca por entender a verdade,
Nada o levava ao seu paraíso.
Um novo caminho, cheio de novidade,
Era aguardado em seu sorriso.
Só não sabia que o retorno no inverno
Iria revelar o seu filho eterno.
E, assim, na mesa de um bar, em frente à TV,
Ele viu o que parecia impossível:
Uma conta não paga e irreversível
Estava posta – mas ninguém vê.
O céu desaba em pouco mais de um segundo –
O suficiente para se reencontrar com o mundo.
E assim, debaixo de chuva e da luz dos holofotes,
Um longo abraço termina com a vida Quixote.
Na busca por entender a verdade,
Nada o levava ao seu paraíso.
Um novo caminho, cheio de novidade,
Era aguardado em seu sorriso.
Só não sabia que o retorno no inverno
Iria revelar o seu filho eterno.
A ÁRVORE DA VIDA
E, então, após anos de sua partida,
Os ventos anunciam a gentil reconciliação.
O passado abraça o presente sem perdão,
Mas o aceita como em sua ida.
A árvore que vou o corpo dela partir
Agora celebra a união que um dia quis.
Perdeu o galho com a corda pueris,
Ganhou o toque de entes em porvir.
O que faremos com nossa vida agora?
Não resta mais sopro da dor de outrora,
Só os sinais de um caminho para casa.