Como um grande fã de Nightwish, de quem já tentou acompanhar as músicas pelo vocal masculino em “I want my tears back” ou “The islander”, por exemplo, fui um dos milhares de surpreendidos pela despedida precoce de Marco Hietala, após 20 anos de banda. A primeira impressão foi de imaginar que a banda seria muito diferente sem seus vocais rasgados e eletrizantes, mas ao ler sua manifestação sobre a saída, notei que eu tenho muito mais a ver com isso do que pensava.
Em seu pronunciamento, dentre diversas ideias, ele inicia dizendo isso: “Há alguns anos, não consigo me sentir satisfeito com esta vida. Temos grandes armas apontadas pelas empresas de streaming, que exigem um grande comprometimento dos artistas e não compartilham os lucros de forma justa. O mesmo entre os artistas. Somos a república da banana da indústria musical. Os maiores promotores de turnês também arrancam porcentagens de nosso merchandising, enquanto pagam dividendos ao Oriente Médio. Aparentemente, algumas teocracias podem tirar dinheiro da música pela qual eles querem que você seja decapitado ou preso, sem parecer hipócrita.” Para simplificar: o nicho de mercado musical, segundo sua ideia, coloca o músico como apenas uma ponta dos valores a serem arrecadados/pagos – mesmo que seja por conta dele que exista a própria música. E é aí que as coisas começam a se relacionar: da mesma forma como Marco indica esta problemática para o músico, o escritor que entrega seu material a grandes editoras ou a grandes lojas também está sujeito ao mesmo tratamento.
Frequentemente digo para meus estudantes (e para quem se interessa pelo mercado editorial) que eu sou um escritor que viso o zero: eu gasto do meu próprio dinheiro, oriundo da venda de outros materiais, para publicar meus textos, mas desconsidero ficar no negativo, pois não posso simplesmente pagar para que as pessoas me leiam. Ou seja: se eu consigo vencer o que gastei com a publicação de um livro por meio das minhas vendas, meu objetivo está concluído. Como não vivo especificamente disso (sou professor em tempo integral), não me queixo dessa situação. Mas e quem quer viver da escrita? Ou quem quer viver da música, como o Marco? Caso a pessoa não conheça os atalhos para fazer por isso, ficará à mercê daqueles que os colocam nos patamares que desejam – para o bem ou para o mal.
Eu não vendo meus livros em lojas, o que me dá uma baita dor de cabeça quando preciso comercializar em grandes quantidades. No entanto, se necessário, o faço. Para compor um livro, gasto com diagramadora, com revisora, no mínimo, antes de deixar o original pronto. Poderia gastar com capista, para dar uma cara mais particular ao material, mas ainda não me dediquei a isso. Preciso pagar a Câmara Brasileira do Livro, que me fornece ISBN, código de barras e, mais recentemente, a ficha catalográfica. Preciso pagar a gráfica, que na maior parte das vezes é à vista ou com trinta dias de prazo após a entrega. Dá para ter uma noção de quantos livros preciso vender antes de chegar no zero?
Se eu negocio com uma livraria, já ganho ainda mais distância para chegar ao objetivo. Recentemente, um estabelecimento entrou em contato comigo, de cara pedindo desconto para negociar meus livros. Ei, cara, olha só: não fui eu que fui atrás de ti implorando para vender meus livros, tá? Não preciso disso. Noutra vez, numa negociação para vender meus material para o Governo do Estado e deixá-lo numa escola estadual, a livraria quis me cobrar 40% do valor. Sendo que os livros nem ficariam expostos na loja. Puramente para que realizassem a negociação por terem como emitir nota fiscal.
Quando leio o que Marco Hietala diz, eu acredito piamente como verdadeiro. O fã pode se chatear, achar que a banda acabou, que não será a mesma coisa – e não será mesmo, pois pode evoluir positiva ou negativamente, contudo é necessário compreender que o artista que vive de sua produção como fonte única de renda necessita de um cuidado maior com aquilo que produz. Para quem acompanha o metal nacional, já ouviu falar num problema envolvendo atuais e antigos integrantes do Angra, relativo a direitos autorais sobre músicas que foram mal registradas por um deles. Os caras criam a música, expõem para o mundo e mal lucram com isso. O artista também come, paga suas contas, necessita de subsídios para viver. É, portanto, muito justo que esta cadeia de valores seja repensada e exposta de maneira diferente.
É por essas e por outras que faço coro ao que disse sobre o assunto Alexander Osipov, CEO e vocalista da banda russa Imperial Age: “O principal problema com a indústria da música é que se o artista não quiser entender de negócios (e na maioria dos casos isso é verdade), ele é roubado. Eu mesmo odeio negócios, fui apenas forçado a aprender. Mas agora que eu fiz, posso ver através dos caras do dinheiro e dizer quando as coisas são justas e quando não.”
Por mais que não pareça, por mais que na essência eu seja mais um fã de Nightwish desolado com a saída do Marco da maior banda de metal sinfônico do mundo (seguido de pertinho pelo Epica, mas ainda o sendo hehe), acho que temos muito mais a ver com essas palavras proferidas do que nós imaginamos. Enquanto alguém que escreve e que realiza a negociação da própria produção, não é interessante a submissão de materiais àqueles que negociam por valores que poderiam ser feitos por si próprio. Mesmo que haja apoio da editora ou da gravadora, que eles banquem tua produção, não se deve esquecer que o olhar dessas pessoas é muito mais comercial do que artístico. Se a proposta é justa para ambas as partes, não é problema ter determinadas negociações; agora, se é perceptível o quanto lucram nas costas do artista, aí sim temos um problema que precisa ser discutido.