Glitter

Era uma noite de festa. Se não me engano, era pelo aniversário da Milena, nossa colega de Sévigné. Sexta série. O Fernando lá em casa, a gente se arrumando pra sair. Pego um gel do meu pai para passar no cabelo e ele vem:

– Me dá um pouco desse gumex.

– O quê?

– Isso na tua mão.

Gumex. Nunca esqueci. Eu nunca havia chamado gel de gumex. Ele explicou.

– Meu pai chama assim às vezes.

Desde então, gumex soou como algo velho, passado. Como um tempo que não era mais o mesmo, transformado em modernidade pelas idas e vindas da indústria cosmética e seus diversos modos de (não) embelezar uma pessoa.

Nesta semana – ontem, para ser mais preciso – houve o caso da purpurina. Ou melhor, do glitter.

As Olimpíadas do Colégio Maria Imaculada são um evento grandioso. Preparam-se coreografias de abertura feitas por todas as turmas semanas antes do evento. É um tal de “Sor, dá período pra ensaiar” que volta e meia se escuta pelos corredores da escola. Eles preparam materiais, como objetos cênicos, figurinos, bandeiras, cartazes – tudo pelo prazer de disputar os jogos, a concorrência e as notas na disciplina de Educação Física.

Pois foi graças a esses trabalhos que o glitter ganhou destaque: uma turma de ex-alunas minhas confeccionava um cartaz, quando derrubaram um pote cheio de glitter dourado. Espalhou-se pelo chão. Tentaram arrumar, mas em vão: muita coisa ficou por ali. Seguiram suas arrumações, até que outras colegas chegaram para ajudar nos escritos.

Pouco depois, me aproximei. Conversei com uma delas, rimos, nos divertimos. Cansado de passar o dia em pé, resolvi me sentar no chão – justo onde as gurias haviam derrubado aquele miniplástico brilhoso.

– Putz, quase. Não foi dessa vez que saí brilhando do chão – eu disse.

– Com o quê, sor? – perguntou uma delas.

– Com essa purpurina toda aqui.

Purpurina. Elas se entreolharam. Fizeram aquela cara de desentendimento. Purpurina? É, purpurina.

– Sor, mas sei lá… Esse nome é estranho.

– Por quê?

– A gente chama de glitter…

E aí a história do gumex ganhou nova versão. Só que 24 anos depois. Os velhos do gumex deram lugar aos velhos da purpurina. Os adolescentes descolados e descontraídos do gel deram lugar aos do glitter. E, como toda variação linguística histórica, os termos seguem sua vida contextual e própria, recriando seus significados.

Espero apenas que nós ainda não precisemos recriar nossos caminhos de vida. Só espero.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Carrinho de compras
Rolar para cima