20/40/60

[O texto que segue abaixo faz parte do novo livro de crônicas do autor, Garotos velhos. Conheça e desfrute!]

20/40/60

Revisão médica. Checagem do sangue. Agulha na junta do braço. Pica uma vez. Pica outra. Troca o braço. Troca o atendente. O sangue flui. Fecha o tubo. Despedida e dores no braço – que não forneceu sangue.

A disposição para uma atividade como essa beira os 60 anos. Há uma certa morosidade, um desejo de não fazer, uma postergação desnecessária em virtude de um relaxamento conhecido. Para que essas medições quando não há um caráter clínico para tal? Minha mãe é dessa teoria.

Mas o topo da vida está aí. Se não é precisamente nos quarenta, é em torno disso – para mais, espero. Se quiser ir além do dobro, necessariamente se devem tomar algumas precauções. O braço dolorido indica isso.

Anos antes, ir ao médico era um momento fugaz. Na época dos vinte, então, mal se pensava nisso: a dor de barriga se resolvia indo ao banheiro ou tomando Buscopan, Floratil; a dor de cabeça era resolvida pela dipirona, pelo acetilsalicílico; as picadas de mosquitos claramente saravam com algum creme antialérgico. Mas como faria com gordura no fígado?

“Não há remédio”, disse o médico, dias antes. “É fazer esse corpo de movimentar.”

Sempre gostei de praticar esportes – coletivos, de preferência. Passar, atacar, defender. Bolas. Já academia… sempre foi um asco, mesmo aos vinte. Aos quarenta, sem cogitação. Imagina aos sessenta? O fato é que busquei no vôlei e no pilates a forma de ver o corpo trabalhar em prol do fígado e, de quebra, fazer os músculos se movimentarem. Afinal, há diversos estudos que mostram que, quanto mais velho, o pior não é acumular gordura, mas a massa muscular ficar mais fraca.

Uma dieta não foi descartada, sendo, inclusive, executada religiosamente durante alguns meses. Com a perda de peso e o melhor funcionamento da região abdominal, deixei-a de lado – muito sofrível ficar sem meus gloriosos lanches e guloseimas, apesar de tudo ter ficado mais controlado. Há coisas, porém, que vão mostrando o quão estamos percebendo o tempo passar.

Levanto pela manhã. Tomo café com leite com bolo. Incho. Uma fruta no intervalo da manhã. Tudo certo. Almoço às 13h. Se encher o prato com proteína e carboidrato, pronto, chegou o problema. Ao fim da tarde, lanche leve. À noite, comida leve, mas se for um lanche mais pesado…

Já não posso comer meus lanches com constância. Os famosos xis, tão tradicionais e repletos de gordura, precisam ser espaçados temporalmente. Jantas mais volumosas à noite, nem pensar. Minhas sobremesas achocolatadas estão refletidas no meu abdômen e nas minhas contas. Se eu não conseguir controlá-los nos próximos tempos, corro o risco de ficar com cerca de 100kg – que, para minha estrutura óssea, seria um desastre (mesmo que ficasse mais parecido com meus tios paternos).

Dessa forma, parece que estou mais para os sessenta do que para os quarenta. Meu desejo de jogar vôlei, futebol ou tênis são os mesmos dos vinte anos, mas fincados num corpo com o dobro da idade. O que não quero apenas é me ver nos quarenta e me aproximando com velocidade aos sessenta. Tudo bem que, na curva da vida, estou a 19 deste e a 21 daquele, dando margem maior para o envelhecimento, mas, como diz o Joseph Pilates, “você é tão jovem quanto a flexibilidade da sua coluna”. Vou me agarrar nessa ideia – ao menos enquanto minhas costas aguentarem.

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