Se houve alguma coisa que durante muito tempo me irritou – mas que passou ao nível cômico com o passar dos anos – foi a troca constante de nomes que aconteciam justamente quando eu levava alguém para o convívio do pai. Novas ou já conhecidas, volta e meia o pai aprontava com isso.
Num churrasco, lá no início dos anos 2000, a gurizada adolescente e ainda meio inconstante nos seus sentimentos – no qual me incluo sem qualquer sombra de dúvidas – foi almoçar lá no pai. O Cabeça, recentemente, ainda me comentou: “Teu pai fez o primeiro churrasco à lenha que eu comi”.
Mas do Cabeça era fácil saber o nome. O apelido, melhor dizendo. Característica marcante. O difícil era lembrar o nome de todo mundo: “D., F., R… e o Gordo”.
Pronto. Era o suficiente.
“Bah, meu, teu pai fica me chamando de `gordo`. Ele não sabe meu nome?”
“Sabe, mas dá problema de vez em quando.”
Quando eles foram pra casa e eu fiquei, ainda chamei a atenção dele.
“Mas tu traz um monte de gente aqui! E ainda comem meu churrasco”, dizia.
Como se fosse motivo para desculpas.
Mas o pior não foi isso.
Quem me conheceu no início dos meus vinte e poucos anos sabe que namorei uma moça de nome G. A primeira vez que a levei para almoçar com o pai, para apresentá-la e outras trivialidades do cotidianismo, ele não conseguia falar o nome da guria. Ele. Não. Falava.
Até a hora que eu mencionada um “ô, G., olha só” – aí ele dizia: “Isso. G.”
A pior situação foi uns anos depois. Eu me separei da G. e comecei a namorar a B. Também no primeiro almoço que tive lá, ele não teve dúvidas:
“E tu faz o que da vida, G.?”
Pronto. Meu ouvido se transformou num penico cheio de diarreia na volta pra casa.
Acho que com os anos ele foi aprendendo um pouco em cima dessas falhas. Até porque o pai encontrou uma companheira depois de anos separado da mãe, com a qual ficou até seus últimos dias. Não sei se ela o ajudou nisso, mas, muitos anos depois, quando conversei com o pai pela primeira vez sobre a Karol, ele ficou rememorando: “Karol. Karol, tá.”
As minhas irmãs Fortes (apelido gentil para a Maíra e para a Mainô) também foram vítimas disso. Mais recentemente, no primeiro churrasco que ele fez pra gente quando me mudei para o Guarujá, elas estavam junto. Inclusive, há uma curiosa história de que meu pai, numa certa noite boêmia na Cidade Baixa junto com a companheira e amigos, encontrou as duas e – milagrosamente – não confundiu os nomes. Voltando ao assunto: naquela tarde, deu pra ver o esforço que o pai fazia para associar o nome à pessoa. Praticamente uma luta inglória, repleta de gaguejadas e risadas, mas as falhas foram redimidas.
Como de costume, rindo-se que não conseguia falar direito, levantava a mão, apontava pra cima e, balançando o indicador, falava:
“Dessa vez não errei.”
É. Naquela vez não. Mas de quantas coisas eu poderia ter sido poupado se ele não tivesse errado algumas vezes? Não sei. Só sei que hoje, após não vê-lo mais, posso ficar tranquilo com isso. Provavelmente em algum momento, em algum lugar, ele ainda vai chacoalhar o indicador para dizer que não troca mais nomes.